Fenícia, dez anos depois

Sob proteção do Faraó, nosso mercador finalmente voltou à sua Fenícia natal. Graças a seu extremo cuidado, juntos com ele chegaram a colônia de vespas e as mudas de ervas. O mercador passou a comercializá-la sob o nome de ungüento núbio, e idealizou um excelente esquema de distribuição, através de mascates de rua. A rede já era sua velha conhecida. As empresas do mercador e seus colegas operavam caravanas que vinham da distante Catai, através da Rota da Seda. Juntamente com objetos de luxo que eram vendidos aos ricos e poderosos, vinham também objetos populares e até falsificados, que eram vendidos à plebe por meio dos mascates, talvez com lucros ainda maiores. Os gritos de Ungüeeento núbio!  se somaram aos demais pregões dos mascates, e grande foi a aceitação do público.

Ora, aqueles eram anos de muita turbulência na região, envolvendo egípcios, assírios, babilônios e o vizinho reino de Judá. Certo dia, uma expedição de Judá invadiu terras fenícias, a pretexto de capturar os chefes de um bando conhecido como Partido de Baal. A propriedade do mercador ficava na região invadida, mas, julgava ele a princípio, os invasores se limitariam a confiscar reses para alimentar a tropa, mal arranhando sua enorme fortuna. Muito surpreso ficou, portanto, quando ele próprio foi aprisionado e levado para Judá, a pretexto de tratar-se de um agente financeiro do Partido de Baal. O mercador alegou que, de fato, tinha intermediado transações para o grupo, na qualidade de banqueiro, mas que eram apenas negócios, e que faria o mesmo para o reino judeu, se lhe fosse solicitado. Não adiantou o argumento, pois no momento era conveniente para Judá afrontar o Faraó, que sabiam ser patrono do mercador, mas estava ocupado com outras contendas.

Os confrades Csífodas acionaram então o ramo judeu da Confraria, que contratou o melhor doutor em leis de que dispunham. Este levou vários e importantes testemunhos, não tanto da inocência e honorabilidade do mercador, quanto da excelência e confiabilidade de seus serviços. E propôs que o mercador fosse temporariamente liberado, até que a situação se esclarecesse, deixando-se em seu lugar uma certa quantia em ouro. Depois de muito pechinchar, os negociadores fenícios e hebreus chegaram a um acordo sobre a vultosa soma a ser depositada, inventando, sem ter consciência disso, o conceito de fiança.

O mercador deixou a fortaleza em que estava preso, escoltado por seu doutor em leis. Quando já se afastava, o comandante do forte resolveu fazer um gesto simpático, e gritou-lhes a mais tradicional saudação hebraica: A paz esteja convosco! O mercador respondeu certo gesto das mãos, semelhante ao que os pescadores fazem para mostrar o tamanho de um peixe, mas com os braços mais levantados, para ser mais visível à distância. E gritou de volta: E Vida Longa para ti!

O comandante ficou comovido ao ver que um mercador gentio era capaz de tanta cortesia, mesmo depois de um bom tempo injustamente preso. E, na primeira oportunidade, relatou o caso a um sábio rabino, argumentando que talvez o Senhor tivesse falado pela boca do gentio; que a posição dos braços lembrava a letra Shin (ש), inicial da palavra Shaddai (Todo-Poderoso), e que, portanto, gostaria de passar a usar tal saudação nos ofícios religiosos. O arguto rabino, mesmo sem saber da história toda, imediatamente percebeu que o sentido não era bem o que o honesto comandante havia entendido. Mas era fato sabido que as pessoas do mundo das armas às vezes interpretam os eventos de forma demasiadamente simples, e não quis desapontar o devoto comandante. Assim, disse o rabino:

— Meu caro capitão, certamente o Santo, que já falou pela boca da jumenta de Balaão, pode falar até pela boca de um gentio. Quanto à saudação, acho que deveria ser complementada para Vida longa e próspera, pois de nada adianta a longa vida sem a prosperidade. E o gesto me aparece um pouco espalhafatoso para ser feito, por exemplo, em uma sinagoga, de forma que sugiro uma variante mais simbólica e discreta.

E mostrou a mão espalmada, com o dedo médio unido ao indicador, e o anular ao mínimo, formando um vê. Eis o origem desse gesto de bênção, até hoje usado por algumas seitas ortodoxas. Relata o ator Leonard Nimoy que ficou muito impressionado com o gesto, ao freqüentar a sinagoga quando menino, e daí veio a inspiração para a hoje famosa Saudação Vulcana.

     

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