A Divisão do Mundo

Pierre Lecoq usava o nariz avantajado para apreciar o aroma de comidas, como François Tastevin tirava partido do seu para avaliar o bouquet de vinhos. Lecoq era restaurateur, e tinha um bistrô próximo dali, à margem do Sena. Como o tempo estivesse agradável, pudemos jantar em uma das mesas da calçada, diante de uma bela vista da Notre-Dame iluminada.

Comentei alguma coisa sobre minhas recordações da época de doutorando, mais à guisa de abobrinhas preliminares do que de conversa séria. Mas quando falei de Iblis, Lecoq deixou transparecer que ficara perturbado. Perguntei se o conhecia, e Lecoq me respondeu:

— Felizmente, não.

Estranha resposta, e Lecoq fez uma breve pausa, como se avaliasse o que devia dizer, e então continuou:

— Estamos providenciando um encontro seu com Ibrahim al-Dajaj, que agora se tornou o Arquigalo em exercício, embora, na prática, eu esteja tocando o dia-a-dia de nossa Ordem. Ibrahim talvez lhe possa dar alguma informação sobre esse indivíduo. Mas falaremos disso no devido tempo. Quero lhe contar uma história que aconteceu há alguns séculos, e que lembra um pouco a situação em que nos encontramos hoje.

A história contada por Pierre Lecoq tratava de uma tentativa de divisão do mundo entre as três grandes sociedades secretas. O mentor do ousado plano teria sido o catalão Roderic Llançol-Borja i Borja, mais conhecido pelo nome italiano de Rodrigo Borgia. Quando seu tio Alfons de Borja se tornou o Papa Calisto III, famoso apenas por ter excomungado o cometa de Halley, Rodrigo subiu rapidamente na carreira eclesiástica, tornando-se bispo e cardeal.  Advogado formado em Bolonha, hábil político e administrador, Rodrigo se tornou muito rico. Até aí, é História conhecida, mas Lecoq acrescenta que, por volta de 1490, ele também se tinha tornado o líder máximo da Confraria de Csífodas na Europa.

Em 1492, morreu o Papa Inocêncio VIII. Rodrigo Borgia, segundo consta, teria comprado os votos da maior parte do Colégio Cardinalício, inclusive o do cardeal Ascanio Sforza, um de seus principais rivais. Subornar um homem tão rico, filho de um duque de Milão com uma Visconti, teria custado quatro mulas carregadas de prata, mais uma grande fatia dos cargos mais rentáveis disponíveis na cúpula da Igreja. Assim o líder máximo dos Csífodas se tornou Papa, com o nome de Alexandre VI.

O novo Papa se mostrou um bom administrador, ao contrário dos antecessores, mas logo tratou também de trabalhar para expandir o poder e a riqueza para si mesmo e para os parentes, principalmente os filhos que tivera com Vannozza dei Cattanei. Entre suas muitas manobras políticas, a mais conhecida é aquela que garantiu o apoio da Espanha e de Portugal, em troca de dividir o mundo entre as duas grandes potências marítimas da época, patrocinando o Tratado de Tordesilhas.

Mas, segundo Pierre Lecoq, Alexandre VI concebeu outra Divisão do Mundo, ainda mais ambiciosa, entre sua Confraria de Csífodas, e seus principais rivais, a Ordem da Grande Fênix, e os que Lecoq chamou de Outros, Adversários ou Inimigos, obedecendo ao tabu de não pronunciar o nome da Sociedade do Grande Dragão.  Para isso, chamou a Roma os líderes europeus dessas sociedades. Dentro da Grande Fênix, houve acalorados debates sobre a idéia de negociar com os históricos inimigos, mas prevaleceu a posição favorável à negociação, endossada pelo Arquigalo da época, o grande pintor Sandro Botticelli. Não resisti a comentar:

— Botticelli, um Arquigalo? Curioso como ele tem aparecido como personagem de obras de ficção, nos anos recentes.

Se percebeu alguma ironia, Lecoq a ignorou, e respondeu:

— Se você se refere ao Código da Vinci, a lista de Grãos-Mestres do Priorado de Sião que Dan Brown apresentou foi publicada originalmente por Pierre Plantard. A história de Plantard, por sua vez, serviu de base para o livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Michael Baigent, Richard Leigh, e Henry Lincoln. Como você sabe, Baigent e Leigh processaram Dan Brown por plágio, sem sucesso.

— E o Dan Brown sacaneou mesmo... usou um anagrama dos nomes deles para compor o nome do personagem Leigh Teabing...

— O mais importante é que Plantard foi desmascarado como um vigarista, e o Priorado de Sião como uma fraude que ele arquitetou junto com alguns amigos. Chegaram ao cúmulo de plantar[1] documentos forjados em lugares estratégicos. Plantard dizia ser o atual Grão-Mestre do Priorado, mas quando espalhou que um amigo de Mitterrand havia sido seu antecessor, teve de se explicar à Polícia, quando então admitiu a fraude. Sujeito estranho... dizia-se descendente dos reis merovíngios e herdeiro do trono francês. Foi colaborador do regime de Vichy, e só escapou do castigo, após a Guerra, por ser considerado mentalmente perturbado.

Observei:

— Na realidade, eu tinha pensado mais em Anne Rice, que faz de Marius, o vampiro pintor, um grande admirador de Botticelli, que quase é transformado por ele em vampiro...

— Há um episódio obscuro na vida de Botticelli, segundo o qual ele teria sido amigo de um indivíduo que era, na realidade, um dos agentes mais poderosos dos Outros. Esse amigo teria tentado levá-lo, como costumamos dizer, para o Lado Escuro da Força, mas teria desistido ao entender que, do Lado de Lá, Botticelli não poderia continuar sendo o pintor da Beleza e da Graça. Um pouco como na lenda de Marius... Mas eu me pergunto, à luz do que aconteceu depois na Divisão do Mundo, se esse Adversário não teria conseguido plantar, para usar mais uma vez essa palavra, uma misteriosa influência sobre um futuro Arquigalo. Não consigo imaginar um Deles preocupado em preservar o talento do pintor da Beleza e da Graça...

Mais uma história sombria sobre os Outros, pensei. E agora, essa associação com vampiros... Pensando bem, os autores de histórias de vampiros atribuem a eles certos poderes que, a julgar pelo que eu tinha ouvido até então, são semelhantes aos dos agentes do Grande Dragão: a completa amoralidade; a imortalidade física; a capacidade hipnótica de influenciar as pessoas; talvez a telepatia e a presciência... Perguntei então:

— Os Outros também enviaram alguém famoso, para essa espécie de Cúpula?

— Segundo os relatos da época, eles enviaram a menor das três delegações. Eram apenas três homens, vestidos de frades, com capuzes que dificultavam a visão do rosto deles, principalmente porque, nas reuniões, eles sempre procuravam ficar no lado mais escuro da sala. Entre as reuniões, ninguém sabia onde estavam. Dois deles acabaram sendo identificados como sendo realmente dois frades, um espanhol e um alemão: dois Inquisidores. Mas o terceiro, que parecia ser o chefe, falava o mínimo possível, apenas para tomar as decisões finais. Diz-se que falava com perfeição o latim, o espanhol, o italiano e o francês, os idiomas usados nas discussões, passando de um ao outro sem a menor hesitação. O mais espantoso é que houve quem julgasse reconhecer as feições de Nicolas Flamel!

Incrível, realmente. Flamel, talvez o mais famoso dos alquimistas, também figura na lista dos Grãos-Mestres do Priorado de Sião, compilada por Plantard. Mas, oficialmente, ele morrera mais de oitenta anos antes! Por outro lado, dizem as lendas que Flamel realmente descobrira a Pedra Filosofal, com qual fabricou imensas quantidades de ouro, e o Elixir da Longa Vida, que lhe dera a imortalidade. A imagem mais conhecida de Flamel alegadamente o retrata como seria já no Século XIX! Flamel tem sido citado em inúmeras obras de ficção, do Código da Vinci a Harry Potter, do Corcunda de Notre-Dame ao Pêndulo de Foucault e à telenovela Fera Ferida!

Pierre Lecoq continuou:

— A Cúpula terminou com uma divisão em esferas de atuação, pretendendo-se que as grandes sociedades não precisassem mais entrar em conflitos de território. Os Csífodas ficaram com a indústria, o comércio, as finanças e tudo que dissesse respeito à ordem econômica. Nós ficamos com a esfera da cultura, incluindo-se as letras, as artes e as ciências. E os Outros ficaram com o domínio dos exércitos e das religiões.

Comentei:

— Pelo que se sabe da História, parece então que a Divisão funcionou.

— De fato, por algum tempo assim parecia. Impulsionado pelas navegações e descobertas, o mercantilismo floresceu, tornando os Confrades ainda muito mais ricos que já eram, até que viessem a substituí-lo pelo capitalismo. Nós, como você já sabe, tivermos grande participação no Renascimento; nossos escritores, artistas e cientistas, já numerosos na Itália desde Marco Polo e Dante, desfrutaram de relativa liberdade e muito prestígio e patrocínio na mesma Roma onde, mil anos antes, tínhamos lutado ferozmente contra os cristãos. Mas os Adversários também tiveram a oportunidade de fomentar as guerras de religião, ensangüentando a Europa ainda mais do que na Idade Média, e tendo a Inquisição como instrumento de terror.

Segundo Lecoq, Alexandre VI selou o acordo à maneira dos reis da Antiguidade, entregando dois de seus filhos à orientação das sociedades rivais. Dos filhos que teve com Vannozza dei Cattanei, guardou para si Giovanni, o mais velho, e Goffredo, o mais novo. Confiou aos Outros a educação de Cesare, então com dezessete anos, e à Ordem a formação de Lucrezia, que tinha doze. Os dois eram considerados muito belos, herdando da mãe a beleza ruiva; Alexandre, que era muito feio, realmente gostava de beldades, pois assim que assumiu o papado trocou Vanozza por Giulia Farnese, ainda mais bela e de nobilíssima família, e ainda por cima esposa de um Orsini: outra família poderosa, e mais um grande escândalo. Giulia, por sinal, tornou-se grande amiga de Lucrezia, sendo tida como sua principal mestra de safadezas. Lucrezia serviu de modelo para muitas pinturas famosas, principalmente o quadro de Bartolomeo Veneziano que a retrata com um vestido diáfano e um seio desnudo. Cesare serviu de modelo do rosto de Jesus, em outras tantas pinturas.

A partir daí, segundo Lecoq, as traições começaram a acontecer. Um dos dirigentes da Grande Fênix era Pico della Mirandola, tido como o maior erudito da época e ideólogo do Renascimento. Tal como o pintor Rafael, Mirandola era um grande conquistador, apesar da aparência efeminada, e só não foi morto por um marido traído porque gozava da proteção de Lorenzo de’ Medici, il Magnifico, senhor de Florença e primo do corno em questão. Pico estudou profundamente os escritos herméticos, e principalmente a Cabala, que aprendeu com os melhores mestres judeus; é tido como responsável pela moda da Cabala cristã, que não demoraria a chegar à corte papal. Com o apoio de Lorenzo, trouxe para Florença o frade Girolamo Savonarola, cuja pregação contra a corrupção na Igreja ambos admiravam, apesar das grandes diferenças filosóficas que tinham com aquele dominicano.

Mas Lorenzo de’ Medici morreu em 1492, poucos meses antes da ascensão de Alexandre VI. Seu confessor no leito de morte foi Savonarola. Pouco tempo depois, Pico se aproximou mais ainda de Savonarola, destruiu sua própria poesia, e doou a fortuna, disposto a se tornar monge. Não chegou a vestir o hábito, pois, em 1494, morreu misteriosamente com pouco mais de trinta anos, suspeitando-se que tenha sido envenenado. A partir daí, Savonarola se tornou cada vez mais fanático, e, com o apoio francês, depôs os Medici e proclamou em Florença o que dizia ser uma república democrática. Na realidade, como aconteceu no Irã e no Afeganistão, a república se mostrou um estado teocrático, em que todas as manifestações da cultura passaram a ser vistas como coisa do Demônio. A homossexualidade, ou a sodomia, como se dizia na época, e que era muito comum em Florença (vide a Divina Comédia), passou a ser punida com a pena capital.

Estranhamente também, Botticelli se tornara amigo de Savonarola. Em 1497, Savonarola organizou a famosa Fogueira das Vaidades, queimando na Piazza della Signoria grande quantidade de livros e obras de arte. Botticelli jogou na fogueira algumas de suas próprias pinturas. Para a Ordem, essa foi a gota d’água. O Conselho Supremo o destituiu; foi a última vez em que isso aconteceu na história da Ordem, e era o que Connie Millet pretendia repetir com Donald Cockburn. A Sede, instalada em Veneza por Marco Polo e transferida para Florença um século depois, mudou-se então para Roma. A Ordem se queixou a Alexandre VI; este, que era um dos alvos principais da pregação moralista de Savonarola, imediatamente excomungou o frade e, em 1498, ordenou a prisão e execução dele. Muitos florentinos já não agüentavam a suposta república democrática, e uma multidão se sublevou e atacou o convento de Savonarola, capturando-o e prendendo ou matando seus principais auxiliares.

Savonarola foi queimado na fogueira, na mesma Piazza della Signoria. Perguntei a Pierre Lecoq:

— Por que os Outros deixaram que um dos seus tivesse tal destino?

— Savonarola não era um deles; era um homem honesto e bem-intencionado que, como muitos homens honestos e bem-intencionados, se transformou em um feroz fanático. Isso sim, é uma especialidade Deles: influenciar pessoas de grande liderança, transformá-los em fanáticos enlouquecidos, usá-los em suas maquinações, e descartá-los quando não precisam mais deles.

Enquanto isso, prosseguiu Pierre Lecoq, em relação aos filhos do Papa, as coisas também não corriam como combinado. Lucrezia começou o treinamento como sacerdotisa da Fênix, mostrando-se bastante competente no mister, mas, enquanto isso, Alexandre VI tratava de arranjar-lhe um casamento de conveniência. Aos onze anos, já tinha noivado e rompido o noivado duas vezes, cada vez que o pai Papa conseguia um novo pretendente de posição ainda mais elevada. Aos treze anos, casou-se com Giovanni Sforza, da poderosa família que até hoje dá nome ao principal monumento de Milão, o Castello Sforzesco. O casamento foi de luxuosa extravagância, mas, pouco tempo depois, Alexandre já achava que um genro Sforza era pouco, e ordenou o assassinato de Giovanni. Avisada por Cesare, o irmão predileto, Lucrezia por sua vez avisou o marido, que tratou de fugir. Na realidade, foi a maneira que Lucrezia achou de se ver livre do marido, sem derramamento de sangue, quando já estava estranhamente envolvida com Cesare.

Cesare, por sua vez, se tornara bispo aos quinze anos, e cardeal aos dezoito. Sua carreira eclesiástica, entretanto, foi interrompida quando o cadáver do irmão mais velho Giovanni apareceu misteriosamente no Tibre, com trinta ducados de ouro intocados na bolsa. O criado que o acompanhava também foi assassinado; portanto, não havia testemunhas. Atribuiu-se o crime ao pai de uma amante de Giovanni, mas as principais suspeitas recaíram sobre Cesare. Por via das dúvidas, os filhos de Giovanni se mudaram para a Espanha, onde um neto veio a se tornar Geral dos Jesuítas e depois santo, com o nome de São Francisco de Borja.

Pressionado para se declarar impotente e assim permitir a anulação do casamento com Lucrezia, Giovanni Sforza reagiu e acusou a mulher de praticar incesto com Cesare e Alexandre. Mas os Sforza não queriam enfrentar o Papa, e obrigaram Giovanni a assinar a confissão de impotência. Enquanto isso, um novo problema para os Borgia: Lucrezia fica grávida, e dá a luz ao Infante Romano, também chamado Giovanni. Duas bulas papais contraditórias são publicadas: uma o reconhece como filho do Papa com uma desconhecida, outra como filho de Cesare, também com uma desconhecida. Depois de passar por vários guardiães, o Infante finalmente vai para os cuidados de Lucrezia, supostamente na qualidade de meia-irmã. Um camareiro de Alexandre chamado Perotto também assumiu a paternidade, mas foi apunhalado por Cesare diante de Alexandre, e jogado na prisão. Poucos dias depois, o cadáver de Perotto apareceu no Tibre, assim como o de uma aia de Lucrezia, que aparentemente sabia demais.

Neste ponto, Pierre Lecoq acrescentou um detalhe que não consta da história publicada, depois de comentar que Lucrezia havia cometido incesto provavelmente apenas com o irmão, pois o pai já tinha sessenta e sete anos, idade bastante avançada para a época. De qualquer maneira, para a Ordem isso não era problema, já que o incesto tinha sido consensual. Mas acontece que um dos grandes amigos dos Borgia na época era o príncipe turco Cern, irmão do sultão Bayazid II, detido na corte papal como refém de luxo. Cern apresentou a Cesare um mercador mouro, que veio a se tornar o principal fornecedor de armas do jovem príncipe; este sucedera ao irmão Giovanni como general das forças papais, depois de renunciar ao cardinalato, demonstrando grande perícia militar e política. O mercador mouro...

— ...que tinha cabelos e olhos muito negros, e usava sempre túnicas brancas, acrescentei.

— Exatamente. Além de muitos armamentos, esse mercador vendeu a Cesare um escravo núbio de porte principesco. De fato, o Mouro disse a Cesare que o escravo era filho de um rei tribal, e que possuía qualidades prodigiosas. Aparentemente, Cesare andou emprestando o escravo a Lucrezia, que se apaixonou perdidamente, e passou a fazer todas as vontades do irmão, só para ter acesso ao tal escravo. Nenhum retrato do Infante Romano existe; desconfio que, afinal de contas, ele fosse um pouco moreno demais, para ser filho de Alexandre, Cesare ou Perotto.

No mesmo ano do nascimento do Infante Romano, Lucrezia se casou pela segunda vez, com Alfonso de Aragão, duque de Bisceglie. Tratava-se de um belo rapaz de dezessete anos, que, no início do casamento, atraiu o interesse de Lucrezia, despertando, por sua vez o ciúme de Cesare (que, segundo Lecoq, curiosamente não sentia ciúme algum em relação ao núbio). Cesare ficou ainda mais invejoso do cunhado quando teve o rosto deformado por um acesso de sífilis, e passou a se vestir de preto e usar máscaras. Quando, em 1500, uma inversão de alianças colocou o Papa como aliado do Rei da França, inimigo da Casa de Aragão, Alfonso se tornou um genro inútil, e Cesare foi autorizado a eliminá-lo. Alfonso sobreviveu a um primeiro ataque em plena Praça de São Pedro, mas, quando ainda se recuperava, sob os cuidados de Lucrezia, recebeu a visita de Cesare em pessoa, e foi estrangulado na cama.

No ano seguinte, Alexandre deixou a administração do Vaticano nas mãos de Lucrezia, e foi tratar de angariar fundos para as campanhas militares de Cesare. Este arrumou mais um casamento político para a irmã, desta vez com Alfonso d’Este, Príncipe de Ferrara. E o ano foi marcado por mais um grande escândalo: o chamado Banquete das Castanhas, oferecido por Cesare em seus apartamentos no palazzo apostolico. Cinqüenta prostitutas participaram do banquete. Em certo momento, castanhas foram espalhadas no chão, e mandaram que as prostitutas as catassem. Enquanto faziam isso, eram traçadas pelos convivas, muitos dos quais eram do clero. Criados contavam quantas cada um conseguia dar, e prêmios foram distribuídos aos primeiros colocados.

Aparentemente, tratava-se de uma paródia das cerimônias da Ordem. Lucrezia, em nome do Renascimento, insistira em retomar a tradição original da Antigüidade, em que a Fênix era celebrada por meio de cópulas rituais. Como se sabe, desde a época romana esse tipo de ritual era geralmente substituído pela Cerimônia do Biscoito[2], no qual o ato era apenas simbolizado, quando o sacerdote mergulhava um biscoito em uma xícara de chá ou leite que a sacerdotisa segurava.

Ironicamente, a Ordem da Grande Fênix, outrora inimiga do Cristianismo, via com grande preocupação a impopularidade que os escândalos, a corrupção e o esbanjamento traziam à Corte Papal. Tudo indicava que estava sendo preparado o terreno para o surgimento de algum novo Savonarola, desta vez com força suficiente para assumir o Papado, em nome da reforma dos costumes. A Inquisição, fortíssima em sua base na Espanha, se tornara, na prática, independente do Vaticano, e só lhe faltava assumir de vez o controle do Trono de São Pedro.

Esse cenário, disse Pierre Lecoq, foi parcialmente revertido pela estratégia de um dos maiores líderes da Grande Fênix: Leonardo da Vinci

[1] O trocadilho existe também em francês.

[2] A Grande Fênix explica por que essa mudança aconteceu.

 

     

Anterior

Basileu

Próxima