A Saga dos Templários

A história dos Templários tem sido terreno fértil para ficcionistas e para o imaginário popular. A Ordem dos Pobres Companheiros Soldados de Cristo e do Templo de Salomão foi fundada pouco depois da Primeira Cruzada, pelo rei Balduíno II de Jerusalém, a pedido do cavaleiro Hughes de Payens e nove parentes deste, com o objetivo de proteger os peregrinos cristãos na Terra Santa. Sua igreja original ficava no Monte do Templo, onde hoje é a Mesquita de al-Aqsa, lugar de muitas lendas, tradições e simbolismos. Imagina-se que seja o lugar onde ficavam o Templo de Salomão, a Arca da Aliança, a pedra em que Abraão esteve para sacrificar o filho, a rocha de onde Maomé subiu ao céu em um asno alado...

O núcleo de elite era formado pelos cavaleiros, com o suporte de sargentos, servidores e capelães. Geralmente vindos da pequena nobreza, os cavaleiros, que não passavam de um décimo do pessoal da Ordem, tinham que fazer votos de pobreza, castidade, piedade e obediência. Verdadeiros monges guerreiros, eles eram a tropa de elite da cristandade; jamais se rendiam, pois julgavam que o martírio lhes garantiria os Céus, tal como seus adversários muçulmanos.

Além da fama de guerreiros ferozes, os Templários em pouco tempo reuniram enorme fortuna. Não só os cavaleiros admitidos tinham que doar todas as suas posses, mas eles praticamente inventaram o sistema bancário moderno. Os peregrinos que deixassem com eles seus bens materiais recebiam cartas de crédito cifradas, com as quais podiam fazer saques nos estabelecimentos templários, durante a peregrinação. Naturalmente, os Templários passaram a emprestar esse dinheiro, contornando a proibição de cobrança de juros, então em vigor entre os cristãos, com artifícios jurídico-teológicos, como fazem até hoje alguns banqueiros muçulmanos.

Quando Saladino retomou a Terra Santa, a Ordem perdeu seu principal propósito, e o declínio começou. Filipe, o Belo, Rei da França, gastava compulsivamente. Depois de extorquir os banqueiros lombardos e judeus, voltou a cobiça para a fortuna dos Templários. Tendo conseguido instalar um Papa fantoche em Avignon, Filipe aprisionou e torturou os líderes templários. Acusados de homossexualidade, heresia, idolatria e satanismo, eram queimados na fogueira quando negavam as confissões obtidas sob tortura.

Os processos contra os Templários tinham como objetivo básico apossar-se das riquezas dessa Ordem, e desmantelar-lhe o poderio financeiro, político e militar. Um documento histórico achado há poucos anos nos Arquivos Secretos do Vaticano, o Pergaminho de Chinon, foi recentemente publicado em edição de luxo, assunto fartamente noticiado na imprensa. Ele mostra que o Papa Clemente V, ao mesmo tempo em que aparentemente endossava a perseguição, absolveu secretamente a Jacques de Molay e aos outros líderes templários. Entretanto, não teria sido possível sustentar processos mais ou menos consistentes contra tantas pessoas, mesmo com o emprego de tortura em massa, se as acusações não fossem baseadas em um mínimo de fundamentos reais.

Várias das acusações têm explicações razoavelmente simples. É um tanto ridícula a acusação de adoração de cabeças, em uma época que restos humanos eram grotescamente venerados como relíquias santas, e até traficados e falsificados. Os Templários argumentavam que as cabeças veneradas eram de seu fundador Hughes de Payens, o que seria de se esperar, mas também havia outras menos plausíveis: a famosíssima cabeça de São João Batista, da qual só um personagem do Baudolino tinha sete para vender; a cabeça de uma das onze mil (!) virgens acompanhantes de Santa Úrsula, que teve a santidade afinal cassada por Paulo VI; e a de Santa Eufêmia, também mártir romana, embora digam alguns que a cabeça, na realidade, era de Santo Eumacho.

Outra acusação era a de ultrajar símbolos cristãos; por exemplo, cuspir ou urinar na Cruz. Aqui também opinam os historiadores: fazia parte do treinamento a simulação das torturas que supostamente sofreriam, se por acaso caíssem em mãos inimigas. O conceito templário seria o de aparentar apostasia, para golpear os algozes na primeira oportunidade, já que juravam jamais se render. Segundo relatos que periodicamente aparecem na imprensa, táticas similares são usadas no treinamento de comandos de elite modernos.

A acusação de homossexualidade é famosamente corroborada pelo Selo dos Cavaleiros, imagem na qual aparecem dois nobres cavaleiros dividindo um pobre cavalo. Alguns afirmam que o Selo significa o voto de pobreza, ou o duplo caráter monástico e guerreiro da Ordem. Mas, em uma Ordem que fazia votos de castidade, seria de surpreender que os costumes fossem diferentes de milhares de frades de outras ordens monásticas, espalhadas pela Cristandade. Daí, acreditam muitos que a partilha do cavalo representava o conceito de duplas inseparáveis, remotamente herdado do Batalhão Sagrado de Tebas.

A conexão asmodaica explica a origem de várias das acusações feitas aos Templários. Além das mencionadas anteriormente, eles eram acusados de beijar o traseiro dos confrades durante certas cerimônias. Segundo Hindemburg, os Asmodeus sempre tiveram cerimônias iniciáticas complexas, tal como muitas outras sociedades secretas; na época, essa era uma dessas cerimônias, simbolizando a humildade dos principiantes diante da sabedoria dos mais antigos. Daí se originou a famosa expressão da língua inglesa: Kiss my ass!

A mais exótica das acusações contra os Templários se refere ao culto do Bafomé. Ao contrário do que alguns possam pensar, não se trata de uma referência ao hálito alcoólico. Para alguns estudiosos, o nome é propositalmente parecido com o de Maomé, tendo sido inventado pelos acusadores dos Templários para insinuar ligações com o inimigo islâmico. De fato, uma versão dizia que os líderes templários se teriam secretamente filiado à Seita dos Assassinos.

A tradição asmodaica nos dá alguns elementos para entender melhor essa acusação. Afinal, tanto os Asmodeus quanto os Assassinos têm raízes no seio do Inimigo. O poder de Ramsés, que domou os sacerdotes de Set, não teve o mesmo sucesso quanto aos sacerdotes de Sobek, precursores dos Assassinos. Mesmo assim, Templários e Assassinos tiveram contatos, através dos Asmodeus que guardavam o Califado de Bagdá. De fato, os Assassinos raramente atacavam cristãos; suas vítimas geralmente eram dos grupos islâmicos sunitas dominantes, geralmente considerados como hereges pelos Assassinos originais, que eram xiitas.  Há notícias de negociações para que os Assassinos se tornassem cristãos em troca de isenção de impostos. Vejam só, naquele tempo até os Assassinos pagavam impostos!

Suspeita-se que também uma das raras execuções de líderes cristãos pelos Assassinos, a de Conrado de Montferrat, Rei de Jerusalém, tenha sido encomendada por Ricardo Coração-de-Leão. Ricardo também conferiu aos Templários imunidade contra vários tipos de processo, entre os quais extorsão e latrocínio. Todos, como se vê, gente muito fina. Seja como for, quando os mongóis tomaram a fortaleza dos Assassinos, os arquivos dessa seita foram destruídos. Queima de arquivo?

 Uma alternativa interessante é sustentada, entre outros, pelo Dr. Hugh J. Schonfield, que trabalhou na decifração dos Manuscritos do Mar Morto. No livro A Odisséia Essênia, ele sugere que o nome de Bafomé deva ser decifrado aplicando-se o código Atbash, no qual cada letra do alfabeto hebraico é substituída por uma simétrica: a primeira pela última, a segunda pela penúltima, e assim por diante. Chega-se então, segundo ele, à palavra grega Sophia, que significa Sabedoria. Segundo os mitos gnósticos, Sophia seria uma espécie de porção-mulher de Deus. Esta teoria foi citada, por exemplo, por Dan Brown, em O Código Da Vinci.

O caráter andrógino de Bafomé foi ressaltado pelo famoso ocultista Eliphas Lévi, que concebeu a imagem mais divulgada dessa entidade. A figura combina asas de anjo e chifres de demônio; os seios e um dos braços são femininos, e o outro braço é masculino, assim como a haste fálica que tem entre as pernas. Num dos braços está escrito Solve, no outro Coagula, lembrando a destruição e a criação (ecos de Shiva?). Lévi pode ter sido bastante conduzido pela imaginação, mas as ambigüidades da entidade combinam com muitos outros aspectos da história asmodaica.

Os Templários acabaram finalmente dissolvidos, e, na maior parte, aposentados ou transferidos para outras Ordens, principalmente para os Hospitalários. Mas o Grão-Mestre Jacques de Molay e seu imediato Geoffroy de Charnay foram queimados vivos. Conta-se que de Molay, na fogueira, amaldiçoou o Rei e o Papa, profetizando que em breve compareceriam diante do Tribunal Divino; de fato eles morreram dentro de poucos meses, o ramo direto da dinastia dos Capetos se extinguiu com os filhos de Filipe, e há quem ache que as muitas desgraças que atingiram os reis franceses até o final da monarquia ainda são frutos da maldição... Mas, como vimos, Luz já deu uma explicação sobre o papel das Feiticeiras no episódio.

O fim dos Templários deu origem a vários mistérios, o principal dos quais talvez seja o destino da fortuna deles. Filipe, o Belo, deve ter-se apossado de parte do botim dos templários franceses; quanto, não se sabe, já que ele gastava tudo o que entrava. Sabe-se também que havia cerca de três mil templários na França, e só algumas centenas deles foram capturados.

A Igreja havia determinado a transferência dos bens para os Hospitalários, mas estes só receberam uma parte, pois outros reis e nobres envolvidos no desmantelamento retiraram suas fatias. Os reis de Aragão (mais ou menos a atual Catalunha) e de Portugal colocaram os Templários sob seu controle fundando, respectivamente, as Ordens de Montesa e de Cristo. Esta última durou muitos séculos e teve também muito poder, mas aí já é outra história. Os Hospitalários também sobrevivem até hoje, com o nome de Soberana Ordem Militar de Malta. Não é mais uma ordem religiosa ou realmente militar, e sim uma corporação filantrópica que, curiosamente, tem relações diplomáticas com muitos países, inclusive o Brasil.

Os mistérios continuam. Muitos templários se refugiaram na Escócia, cujo rei era excomungado, sendo absorvidos em um país já famoso pelos monstros, fantasmas e outras lendas. Outros se esconderam na Suíça, crendo alguns que ali deram origem aos banqueiros suíços e à tradição mercenária do país. Como vimos em capítulo anterior, mais tarde outro grupo de Asmodeus formou o núcleo da Guarda Suíça. A poderosa frota templária desapareceu; só do porto do La Rochelle, dezoito navios desapareceram exatamente na véspera do dia da prisão em massa dos cavaleiros. Que foi uma sexta-feira, 13, e dizem que daí...

Além das teorias populares sobre o destino dos templários e seu dinheiro, há a contribuição dos escritores. Para Anne Rice, os Templários entregaram sua fortuna à guarda da Talamasca, a famosa organização de estudiosos de vampiros e outros seres sobrenaturais... Os Templários aparecem em Ivanhoe (Walter Scott), O Pêndulo de Foucault (Umberto Eco), O Código Da Vinci (Dan Brown) e  Indiana Jones e a Última Cruzada. Até Tio Patinhas descobre o tesouro dos Templários...

Depois do trágico fim dos Templários, os Enviados passaram a preferir participações um pouco mais discretas, enviando expor-se novamente de maneira tão fatídica. Sobre a participação deles na Guarda Suíça, Hindemburg não tinha muito que acrescentar ao que Pierre Lecoq já me tinha contado na França. Outros governantes poderosos usaram os serviços dos Enviados, como aconteceu no também já narrado caso de Francisco I da França. Como os Asmodeus não discriminavam orientação sexual dos governantes que os contratavam, podiam servir tão bem ao heteríssimo Francisco I, quanto a monarcas de hábitos mais afins, como Pedro, o Grande, da Rússia, que colocou no comando de seus Enviados seu próprio favorito, Aleksandr Menshikov. Um vendedor ambulante de pirozhki[1] que atraiu as graças do tzar, Menshikov chegou a príncipe e Generalíssimo, tornando-se ditador de facto nos anos que se seguiram à morte de Pedro.

Pedro era bastante discreto quanto a suas relações com Companhia, ao contrário de seu êmulo Frederico, o Grande, da Prússia. O pai de Frederico era um rei brutal, cuja principal paixão era ter um regimento de gigantes, formado por homens com o mínimo de 1,80 m de altura. Mesmo assim, achou ruim quando o jovem Frederico começou a apresentar maneiras efeminadas, e passou a tratá-lo brutalmente: uma tentativa de fugir de casa foi punida com a execução do jovem tenente Hans von Katte, que o acompanhava, na qualidade de melhor amigo.

Ao se tornar rei, finalmente, Frederico se separou da rainha, com quem tinha sido obrigado a se casar, e reformou o batalhão de gigantes nos moldes dos Enviados de Asmodeu. Colocou no comando seu novo protegido, o Conde Keyserling, com quem costumava brincar de Alexandre e Heféstion. Sempre refinado, Frederico, ao mesmo tempo em que comandava o exército mais poderoso da Europa, dedicava-se a corresponder-se com intelectuais como Voltaire, escrever tragédias e poemas em francês, e compor música barroca (de boa qualidade, por sinal).

A quem visitar Berlim, recomendo um passeio até o palácio de Sans-Souci, que Frederico construiu na vizinha localidade de Potsdam. Aí o rei montou valiosa coleção de arte, com preferência para representações de atletas nus; mandou pintar afrescos sobre a lenda de Ganimedes; e erigiu um Templo da Amizade, dedicado à memória de pares de amigos famosos, como Aquiles e Pátroclo ou Orestes e Pílades. Aí Frederico recebia os principais intelectuais da Europa, tivessem ou não as mesmas preferências, mas a entrada de mulheres era proibida.

Para desgosto dos Enviados modernos, houve ocasiões em que a companhia serviu a governantes menos grandiosos. Alguns basicamente inofensivos, e até patronos das Artes, como o Papa Júlio III, cujas peripécias já foram narradas antes. Outro caso famoso foi Luís II da Baviera, tido como louco, patrono de Wagner e construtor de grandes palácios, como o de Neuschwanstein, inspirador da Disneylândia. No comando da Companhia, Luís colocou desde o príncipe Paul von Thurn und Taxis, até um desconhecido George, que deu origem a uma historieta famosa. Coube-me decifrar o enigma da trágica morte de Luís II, como narro em um capítulo de A Grande Fênix.

E, como lembrou Hindemburg com grande desgosto, aconteceu em pleno Século XX o mais trágico dos casos em que os Inimigos conseguiram retomar um grupo significativo de Asmodeus: a terrível Sturmabteilung de Ernst Röhm, ou seja, os Camisas Pardas de Hitler. Como os Inimigos levaram esses ferozes e brutais combatentes para o Lado Escuro da Força, foi narrado em A Lenda do Vida Longa.

[1] Antes que alguém pense outra coisa: pirozhki são uns pasteizinhos típicos russos. O acento é na última sílaba. Muito bons.

     

Anterior

Basileu

Próxima